terça-feira, 15 de julho de 2008

Flores Raras e Banalissimas

Acabo de ler o livro Flores Raras e Banalíssimas de Carmen Lúcia Oliveira. É a história de Elizabeth Bishop e Lota de Macedo Soares, muito bem contada. A história de Bishop e Lota é intensa, o encontro de dois gênios, uma das maiores poetas da língua inglesa e a criadora do Aterro do Flamengo, modernista e carioca apaixonada.


(...)
Era uma noite prodigiosa (...). O céu era tão profundo e claro que, ao fitá-lo, não havia outro remédio senão a gente perguntar, involuntariamente, a si mesma se era verdade que sob semelhante céu pudessem viver criaturas tão más e tétricas.

Lota e Bishop estavam sentadas no sofá, com uma manta sobre os joelhos. Fazia um friozinho. Apenas uma arandela estava acesa, jogando uma luz difusa para o alto.

Bishop se entregava à tranqüilidade suave daquele instante. Estava feliz. Depois de quatro anos de tormento para conseguir escrever, chegara aquele [1956] bonançoso. Tinha publicado um livro, tinha merecido o prêmio [Pulitzer] mais importante por ele. Verdade que ao invés dos cinco mil dólares esperados tinha recebido apenas quinhentos. Em compensação, tinha sido contemplada com uma bolsa inesperada da Partisan Review. Tinha concluído a tradução de Minha vida de menina e conseguido que Farrar, Straus, and Giroux a publicasse. Já estava escrevendo novos poemas.

Lota falava, prazenteira. Estava orgulhosa da sua Cookie. Por seu turno, garantia, ia importar, ia improvisar, ia endoidecer, mas até o final do ano a casa estaria concluída. Então poderiam ir juntas para Nova York, para ficar o tempo que Bishop quisesse.

Como há quase cinco anos, Bishop escutava em silêncio. a mão na mão de Lota. A voz de Lota caía bem com aquela penumbra. Bishop queria cantar aquela intimidade, a doçura daquele toque, a pertinência daquela vidinha obscura no meio do mato.

Um salmo começou a se delinear. Nos dias que se seguiram, Bishop iniciou um poema de louvação àquela amor, louvando aquela casa. Não como um marco de arquitetura, mas como uma permanente open house à natureza, onde a neblina entrava pela janela e atravessava a sala indolentemente no meio de uma conversa.
(...)
Fonte: Oliveira, C. L. 1996. Flores raras e banalíssimas: a história de Lota de Macedo Soares e Elizabeth Bishop, 2a edição. RJ, Rocco.



Soneto
Elizabeth Bishop, 1928

Eu preciso de música que flua
nas pontas finas, frágeis dos meus dedos,
nos meus lábios amargos de segredos,
com melodia líquida e nua.
Ah, a antiga ginga sã e crua
de uma canção que aos mortos dê guarida,
água que me cai sobre a testa erguida,
o corpo febril, um brilho de Lua!

A melodia pode enfeitiçar:
magia calma, respiração pura,
um coração que afunda no abandono
da mansa, escura imensidão do mar
e flutua pra sempre na verdura,
amparado no ritmo e no sono.

tradução, Jorge Pontual

Um comentário:

Nadinha disse...

Muito bem.
Continue a escrever e a criar...